


O Anfitrião e o Hóspede
Nossa História de hoje:
Essa metáfora já foi utilizada por outros autores, mas a maneira como o Rav Michael Laitman a escreveu, faz com que todos os detalhes estejam realmente possíveis de entendimento.
Minha sugestão: leia primeiro o texto e só depois assista aos vídeos explicativos sobre esta fantástica metáfora.
O texto desta reflexão vem do excelente livro "Alcançando Mundos superiores" do Rav Michael Laitman da Editora Imago, na página 34 em diante.
O texto está logo a baixo do player dos vídeos.
A MESA DA SALA DE JANTAR
PRIMEIRO ATO
Narrador: Em uma casa brilhantemente iluminada, com quartos espaçosos, um homem de aparência agradável está ocupado na cozinha. Está preparando uma refeição para o seu tão esperado hóspede. Enquanto manipula as panelas e frigideiras, traz a sua memória os manjares com os quais seu hóspede tanto se deleita. A feliz expectativa do anfitrião é mais que evidente. Cheio de graça e com os movimentos de um bailarino, põe na mesa cinco diferentes pratos. Junto à mesa há duas cadeiras estofadas.
Batem então na porta. O hóspede entra. O rosto do anfitrião ilumina-se ao vê-lo, e o convida a sentar-se à mesa para jantar. O hóspede toma assento; o anfitrião fita-o com carinho. O hóspede olha as delícias colocadas diante dele e as cheira a uma distância educada. É evidente que gosta do que vê, mas expressa sua admiração com tato e recato, demonstrando que não sabe que a comida é para ele.
Anfitrião: Sente-se por favor. Fiz estas coisas especialmente para você, pois sei quanto lhe agradam. Ambos sabemos quão familiarizado estou com seus gostos e hábitos de alimentação. Sei que está com fome e sei o quanto é capaz de comer, por isso preparei tudo exatamente como você gosta, na quantidade exata, sem deixar uma migalha sequer.
Narrador: Se sobrasse comida depois de o hóspede estar saciado, o anfitrião e o hóspede ficariam inconformados. O anfitrião ficaria insatisfeito, pois isso significaria que ele desejava dar ao seu hóspede mais do que este desejava receber. Por sua vez, o hóspede ficaria decepcionado por não poder satisfazer o desejo do anfitrião de consumir toda a comida oferecida. O hóspede também lamentaria o fato de estar saciado se ainda restassem manjares, se não pudesse gozar de nem mais um deles. Isso significaria que lhe faltara o desejo o desejo suficiente de desfrutar todo o prazer oferecido.
Hóspede: (Solenemente) De fato, você preparou exatamente o que eu queria ver na mesa e comer durante o jantar. Até mesmo a quantidade é justamente a correta. Isto é tudo o que sempre quis na vida: desfrutar tudo isso. Para mim, seria o máximo prazer divino.
Anfitrião: Bem, então pegue tudo e desfrute, Será, para mim um prazer.
Narrador: O hóspede começa a comer.
Hóspede: (Obviamente desfrutando, com sua boca cheia, não obstante parece um pouco preocupado) A que se deve o fato de que, quanto mais como, menos desfruto a comida? O prazer que sinto tira a fome e, portanto, meu gozo é cada vez menor. Quanto mais perto estou de ter a sensação de saciedade, menos desfruto a comida. E ao receber todo o alimento, não me resta mais do que a memória do prazer, não o prazer em si. O qual estava lá somente enquanto eu tinha fome. No momento em que esta se desvaneceu, ocorreu o mesmo com o gozo. Recebi o que tanto desejava e, porém, fiquei sem prazer, nem alegria. Não quero mais nada, não há nada que me provoque alegria.
Anfitrião: (Um pouco ressentido) Fiz todo o possível para lhe dar prazer. Não é minha culpa que a simples recepção do prazer acabe com a sensação de deleite, já que o desejo foi embora. De qualquer forma, agora você já está cheio de tudo o que lhe preparei.
Hóspede: (defendendo-se) Ao receber tudo o que você me preparou, nem sequer consigo lhe agradecer, porque deixei de gozar da abundante comida que você me deu. O principal é que sinto que você me deu algo, ao passo que eu não lhe dei nada em troca. Portanto, você me fez sentir vergonha ao manifestar, inadvertidamente, que você é o que outorga e eu sou o que recebe.
Anfitrião: Não demonstrei que você era o receptor e eu o outorgante. Mas o simples fato de você ter recebido algo de mim, sem ser recíproco, deu-lhe a sensação de ter recebido algo de mim, apesar do fato de a benevolência fazer parte da minha natureza. A única coisa que quero é que aceite minha comida. Isso não posso mudar. Veja bem: eu crio peixes. A eles, não importa quem lhes fornece a comida e lhes alimente. Também cuido do Bob, meu gato. Ele também não se importa, nem sequer um pouco, com as mãos pelas quais lhe chega o alimento. Mas Rex, meu cachorro, importa-se sim e não pegaria o alimento de qualquer um.
Narrador: As pessoas são constituídas de tal modo, que há pessoas que recebem sem sentir que alguém lhes está dando e somente tomam. Alguns até mesmo roubam sem remorso! Mas quando as pessoas desenvolvem o senso de si mesmas, sabem quando lhes estão outorgando e isto lhes desperta a consciência de que são receptoras. Isso traz consigo vergonha, auto reprovação e agonia.
Hóspede: (Um pouco apaziguado) Mas o que posso fazer para receber prazer sem me considerar o receptor? Como posso neutralizar a sensação interna de que você é o que outorga e eu sou o que recebo? Se há uma situação de dar e receber e isto provoca em mim esta vergonha, o que posso fazer para evitá-la? Talvez você possa agir de forma que eu não me sinta como receptor! Mas isto só seria possível se não tivesse consciência da sua existência (como os peixes), ou se o houvesse percebido , mas sem entender que você está me dando alguma coisa (como um gato ou um ser humano subdesenvolvido).
Anfitrião: (contraindo seus olhos em sinal de concentração e falando em tom pensativo) Acho que, afinal de contas, existe uma solução. Você seria capaz de encontrar um modo de neutralizar a sensação de recepção dentro de si?
Hóspede: (Seus olhos se iluminaram) Ah! Entendi! Você sempre quis me ter como seu hóspede. Então, amanhã virei aqui e me comportarei de modo que faça que você se sinta como o receptor. Eu continuarei sendo o receptor, evidentemente, comendo tudo o que você tiver preparado, mas me sentirei como o que outorga.
SEGUNDO ATO
Narrador: No dia seguinte, na mesma sala, o anfitrião preparou comida fresca, exatamente as mesmas delícias do dia anterior. Sentou-se à mesa e o hóspede entrou com uma expressão desconhecida em seu rosto, um tanto misteriosa.
Anfitrião: (com sorriso resplandecente, inconsciente da mudança) Estava esperando por você. Estou tão contente por vê-lo! Sente-se.
Narrador: O hóspede senta-se à mesa e cheira a comida gentilmente.
Hóspede: (Olhando a comida) Tudo isso é para mim?
Anfitrião: Mas claro! Somente para você! Adoraria, se você estivesse disposto a receber tudo isso de mim.
Hóspede: Obrigado, mas, na verdade, não o desejo tanto.
Anfitrião: Bem, isso não é verdade! Você o deseja sim e eu sei com certeza! Por que não o quer receber?
Hóspede: Não posso receber tudo isso de você. Faz com que me sinta desconfortável.
Anfitrião: O que quer dizer com desconfortável? Desejo tanto que você coma tudo isso! Para quem você acha que preparei? Dar-me-ia tanto prazer, se você comesse tudo…
Hóspede: Talvez você tenha razão, mas eu não desejo comer toda essa comida.
Anfitrião: Mas você não está apenas recebendo comida; também está me fazendo um favor ao sentar-se à minha mesa, desfrutando tudo o que preparei. Não fiz tudo isso apenas pra você, mas também porque gosto que o receba de mim. É por isso que, ao aceitar comer, estaria me fazendo um favor. Você estaria recebendo tudo isso para mim! Não estaria tomando, mas me dando uma grande alegria.
Narrador: Quase implorando, o anfitrião desliza o cheiroso prato diante de seu renitente hóspede. Este o afasta de si. O anfitrião desliza outra vez o prato em direção ao seu hóspede que o recusa novamente. O anfitrião suspira revelando por meio de linguagem corporal, o quanto deseja que seu hóspede aceite os alimentos. Este assume a postura do outorgante: a de que está fazendo um favor ao anfitrião.
Anfitrião: Eu imploro, por favor, faça-me feliz!
Narrador: O hóspede começa a comer, depois pára para pensar. Depois recomeça e de novo se abstém. Cada vez que pára, o anfitrião o estimula a continuar. Somente depois de certa persuasão, o hóspede continua. O anfitrião continua colocando novos manjares diante de seu hóspede, suplicando-lhe a cada vez que o satisfaça ao aceitá-los.
Hóspede: Se eu pudesse ter certeza de que estou comendo porque isso lhe dá prazer e não porque eu o desejo assim, então você se tornaria o receptor e eu o que outorga o prazer. porém, para que isso ocorra, devo ter certeza de que estou comendo somente por você e não por mim.
Anfitrião: Mas claro que você está comendo somente por mim. Afinal de contas, você se sentou à mesa e não provou nada até que lhe demonstrasse que você não estava somente comendo, mas me dando uma grande alegria. Você veio aqui pra me dar prazer.
Hóspede: Mas, se eu aceitasse algo que não desejasse inicialmente, não o desfrutaria recebendo-o e você não teria o prazer de me ver aceitar voluntariamente seu oferecimento. Então, acontece que você pode receber prazer apenas na medida em que eu desfrutar seu oferecimento.
Anfitrião: Eu sei exatamente o quanto você gosta dessa comida e quanto pode comer de cada prato. Portanto, preparei estes cinco pratos. Afinal eu sei o quanto você deseja este prato ou aquele outro mais que qualquer coisa em sua vida. Saber o quanto você gosta deles evoca em mim a sensação de prazer. Também me agrada que você desfrute da minha comida. Não tenho dúvidas de que o prazer que recebo de você é genuíno.
Hóspede: Como posso ter a certeza de que estou desfrutando destes manjares somente por que você assim o deseja e porque preparou tudo isso pra mim? Como posso ter a certeza de que não devo recusá-los por que, ao recebê-los de você na realidade o que faço é dar-lhe alegria?
Anfitrião: Muito simples! Porque você recusava completamente minhas ofertas até ter a certeza de que fazia isso por meu prazer. Só então você aceitou. Depois de cada bocado você sentirá que está comendo por meu prazer e perceberá a alegria que me causa.
Hóspede: Posso me livrar da vergonha e orgulhar-me ao dar-lhe prazer se pensar, cada vez que recebo, que o estou recebendo por você.
Anfitrião: Pois coma tudo! Você deseja tudo e assim estará me dando um prazer ilimitado!
Hóspede: (Desfrutando a comida e terminando até o último prato, mas depois, percebendo que ainda não está satisfeito) Então, agora terminei toda a comida e gostei. Não há mais comida para desfrutar. Acabou-se meu prazer porque não tenho mais fome. Já não posso dar alegria a nenhuma de nós. E agora, o que faço?
Anfitrião: Não sei. Você me deu um grande prazer ao receber de mim. Que mais posso fazer por você de modo que possa desfrutar mais vezes? Como é possível que você deseje comer de novo se já terminou tudo? O que lhe provocará o apetite mais uma vez?
Hóspede: Certo! Meu desejo de desfrutar tornou-se um desejo de conferir-lhe alegria e se agora não posso desfrutar, como posso agradá-lo? Afinal de contas, não é possível criar dentro de mim apetite para outro convite de cinco pratos.
Anfitrião: Eu não preparei nada além daquilo que você desejou. Fiz todo o possível de minha parte para agradá-lo. Seu problema é: “Como posso continuar desejando mais, se recebo mais e mais?”
Hóspede: Se o prazer não satisfaz minha fome, não posso percebê-lo como prazer. Essa sensação chega quanto satisfaço minhas necessidades. Se não estivesse faminto, não poderia desfrutar a comida e, portanto, também não poderia conferir-lhe alegria. O que posso fazer para permanecer com este desejo constante, oferecendo-lhe constantemente alegria ao mostrar meu prazer?
Anfitrião: Para conseguir isso você precisa de uma fome diferente de desejo e de meios de satisfação. Ao usar sua fome para receber tanto a comida quanto a satisfação de comê-la, você elimina ambas.
Hóspede: Entendo! O problema é que me abstive de sentir alegria, por considerar que você se beneficiaria com isso. Rejeitei a tal ponto que, apesar de toda a comida estar diante de mim, não a podia aceitar por vergonha de recebê-la. Essa vergonha era tão intensa que eu estava disposto a morrer de fome, apenas para evitar a sensação de vergonha de ser o receptor.
Anfitrião: Mas então, quando você se convenceu que não estava recebendo para si mesmo, começou a receber para meu benefício. Devido a isso desfrutou tanto a comida quanto o prazer que me dava. Por essa razão o alimento deve estar de acordo com sua vontade. Afinal de contas, se não fosse pelo prazer da comida, que outro prazer você poderia me oferecer?
Hóspede: Porém, não é suficiente receber para você sabendo que você tem prazer em fazê-lo por mim. Se meu prazer viesse da sua alegria, então a origem do meu prazer não seria o alimento, mas sim de você. Preciso sentir sua alegria!
Anfitrião: Isso deve ser fácil, porque estou totalmente aberto a isso.
Hóspede: Sim, mas do que depende meu prazer? Depende de você, a quem estou dando prazer. Isso significa que meu prazer depende da magnitude de meu desejo de dar-lhe prazer, isto é; o grau em que percebo sua grandeza.
Anfitrião: O que posso fazer então?
Hóspede: Se eu soubesse mais sobre você, se tivesse um conhecimento mais íntimo sobre você, se você realmente fosse grande, então sua grandeza e onipotência teriam se revelado a mim. Nesse caso, eu teria desfrutado não somente por dar-lhe prazer, mas também teria estado consciente de quem o estava recebendo. Portanto, meu prazer teria sido proporcional à revelação da sua grandeza.
Anfitrião: Isso depende de mim?
Hóspede: Veja, se eu dou prazer, para mim é importante saber quanto estou dando e a quem. Se for aos entes queridos por exemplo, a meus filhos, então estou disposto a dar na mesma proporção ao grande amor que lhes tenho. Mas se alguém da rua vem a minha casa, estou disposto a dar-lhe algo porque posso sentir empatia por um necessitado e espero que, quando eu estiver em uma terrível necessidade, alguém me ajude.
Anfitrião: É sobre este princípio que existe o conceito global do bem estar social. As pessoas perceberam que se não houver ajuda mútua, todos sofreriam. Isto é, sofreriam quando necessitassem. O egoísmo obriga as pessoas a dar, mas isto não é, na verdade, outorgar. É simplesmente uma maneira de garantir a sobrevivência.
Hóspede: Na realidade não acho que esse tipo de entrega seja genuína. Toda essa “generosidade” não é nada além de uma forma de recebermos prazer ao satisfazermos a nós mesmos e a nossos entes queridos.
Anfitrião: Então, como posso dar-lhe um prazer que vá além do encontrado nos alimentos?
Hóspede: Isso não depende de você mas de mim. Se a pessoa que viesse à minha casa fosse uma personalidade muito importante, eu receberia mais prazer em dar-lhe algo do que se tratasse de uma pessoa comum. Isso significa que meu prazer depende não da comida, mas de quem a preparou.
Anfitrião: O que posso fazer então, para que você me respeite mais?
Hóspede: Como recebo para o seu benefício, não para o meu, quanto mais respeito eu tiver por você, mais prazer terei ao saber a quem estou dando.
Anfitrião: Então, como posso aprofundar sua estima por mim?
Hóspede: Fale-me de você! Mostre-me quem você é! Assim eu poderei obter prazer não simplesmente por receber a comida, mas também por conhecer quem a está me oferecendo, por saber com quem tenho um relacionamento. A mais ínfima porção de comida recebida de uma grande figura me dará uma quantidade de prazer muito maior, que crescerá na proporção que eu considerar que você seja.
Anfitrião: Isso significa que, para o prazer ser grande, devo me abrir e você deve desenvolver a habilidade de me conhecer.
Hóspede: Exatamente! Isso é o que cria uma nova fome em mim, o desejo de dar cresce em proporção a sua grandeza. Isso não é porque queira me livrar da sensação de vergonha, pois essa não me deixará satisfazer minha fome!
Anfitrião: Desse modo você começa a sentir não mais a fome, mas minha grandeza e seu desejo de me dar prazer. Então, você está me dizendo que não deseja saciar meu apetite, mas se deleitar com minha grandeza e seu desejo de me agradar?
Hóspede: É isso, o que tem de mau? Posso receber prazer pela comida muitas vezes mais do que a comida em si pode dar, visto que acrescento a fome um segundo desejo; o de outorgar-lhe.
Anfitrião: Também devo cumprir isso.
Hóspede: Não. A vontade de fazer isso e seu cumprimento, eu criarei em mim mesmo. Para isso preciso apenas conhecê-lo. Revele-se a mim e criarei dentro de mim o desejo de outorgar-lhe. também receberei prazer por dar e não pela eliminação da vergonha.
Anfitrião: O que você ganhará com isso além do seu prazer aumentar?
Hóspede: (Claramente insinuando que esse é o cerne da questão) há outro benefício primordial: se eu criar em mim uma nova vontade, além da fome inerente, tornar-me-ei dono desta vontade. Sempre poderei aumentá-la, enchê-la de prazer e conferi-la a você ao receber prazer.
Anfitrião: Você não acha que esse desejo se perde depois de se estar satisfeito tal como você perdeu a fome?
Hóspede: Não porque sempre posso criar dentro de mim uma impressão maior de você. Sempre posso criar novos desejos de conferir-lhe algo e ao receber de você, os porei em prática. Esse processo pode continuar indefinidamente.
Anfitrião: Do que depende?
Hóspede: Depende da descoberta contínua de novas virtudes em você e de perceber a sua grandeza.
Anfitrião: Isso significa que a fim de conseguir a auto indulgência permanente - na qual, ao perceber um prazer egoísta, a fome não cessará, mas aumentará por esse recepção -, deve formar-se uma fome nova; a vontade de sentir quem outorga.
Hóspede: Sim, além de receber os prazeres (os manjares), aquele que recebe desenvolverá um sentido da grandeza de quem outorga. A descoberta do anfitrião e dos manjares, portanto, são a mesma coisa. Isto é, o prazer em si cria consciência acerca de quem o outorga. Este, a comida e os atributos de quem outorga são um e os mesmos.
Anfitrião: Então o que você inconscientemente queria desde o início era que o outorgante se revelasse. Para você isso é de fato importante.
Hóspede: No princípio, nem sequer compreendia que era isso o que eu desejava. Apenas olhei a comida e achei que isso era o que eu queria.
Anfitrião: Fiz isso de propósito, a fim de que você desenvolvesse, gradativamente, sua própria vontade, que se supõe, seria criada para atender a você mesmo. Simultaneamente, você estaria tomando o lugar do hóspede e do anfitrião.
Hóspede: Porque tudo isso é assim?
Anfitrião: Com o propósito de levá-lo à plenitude. De modo que deseje cada coisa em sua totalidade e consiga a satisfação suprema. Para que você possa desfrutar cada desejo ao máximo e a fim de que o prazer seja ilimitado.
Hóspede: Por que então eu não sabia disso desde o começo? Tudo o que eu via ao meu redor eram objetos que eu desejava, sem suspeitar que o que realmente queria todo esse tempo era você.
Anfitrião: É feito de tal maneira que, quando você se encontrasse em uma situação na qual não me percebesse, viria a mim e criaria essa vontade interna por si mesmo.
Hóspede: (desconcertado) Mas se eu posso criar essa vontade dentro de mim, onde você entra?
Anfitrião: Fui eu quem criou em você a simples vontade egoísta e continuo desenvolvendo-a ao cercá-lo constantemente com novos objetos de deleite.
Hóspede: Mas para que tudo isso?
Anfitrião: O propósito é convencê-lo de que perseguir prazer nunca o satisfará por completo.
Hóspede: Posso ver. No momento em que consigo o que quero, o prazer desaparece de imediato e de novo desejo algo maior ou completamente diferente. Portanto estou em uma caça constante por prazer, mas sem nunca alcançá-lo totalmente. No instante que o tenho em minhas mãos, ele escorrega.
Anfitrião: E esta é justamente a razão pela qual você desenvolve o sentido de si próprio e se torna consciente da inutilidade desse tipo de existência.
Hóspede: Mas se você me mostrasse como são as coisas na realidade, eu entenderia o significado de tudo o que estaria ocorrendo!
Anfitrião: Este quadro é revelado somente depois que você está totalmente convencido da falta de propósito de sua existência egoísta e ao perceber que precisa de uma nova forma de conduta. Precisa conhecer suas raízes e o significado de sua vida.
Hóspede: Mas esse processo dura milhares de anos. Quando termina?
Anfitrião: Nada é criado desnecessariamente. Tudo o que existe está aí com o único propósito de revelar às criações uma forma diferente de existência. Esse processo é lento, porque cada pequeno desejo precisa aparecer e ser reconhecido como algo que não vale a pena utilizar em sua forma preliminar
.
Hóspede: E há muitos desejos deste tipo?
Anfitrião: Muitíssimos, e em proporção direta ao prazer que você receberá no futuro. Mas o prazer de receber a comida não muda. Você não pode comer mais do que um almoço por dia. A capacidade do seu estômago não mudará. Portanto, a quantidade que chega de mim e que é recebida por você não muda. Porém, quando você janta em minha mesa para me satisfazer, esse pensamento específico cria em você uma nova vontade de comer e um novo prazer, além do prazer da comida. Esse prazer é medido em tamanho e poder ou em quantidade e qualidade, conforme a quantidade de prazer que você obtenha ao jantar em minha mesa a fim de me agradar.
Hóspede: Então como posso aumentar meu desejo de receber prazer em seu benefício?
Anfitrião: Isso depende do seu prazer e apreço por mim. Isso depende do quão grande você me considerar.
Hóspede: Então, como eu poderia aumentar meu apreço por você?
Anfitrião: Para isso você simplesmente precisa saber mais sobre mim, ver-me em cada ação que desempenho, observar e ter certeza de quão grande realmente sou. Estar totalmente consciente de que sou onipotente, compassivo e benévolo.
Hóspede: Então manifeste-se!
Anfitrião: Se seu pedido vier do desejo de dar a mim, revelar-me-ei. Mas se vier do desejo de agradar a você mesmo ao me ver, não somente me absterei de me revelar a você, como também me ocultarei ainda mais profundamente.
Hóspede: Por que? Por acaso não lhe é indiferente o modo como eu recebo de você? Afinal, você deseja que eu desfrute. Por que se ocultar de mim?
Anfitrião: Se eu me revelar por completo, você receberá tanto prazer por minha eternidade, onipotência e plenitude, que não será capaz de aceitar esse prazer para meu benefício. Esse pensamento nem sequer lhe passará pela cabeça e depois você se sentirá novamente envergonhado. Além do mais, pelo fato de o prazer ser perpétuo - tal como vimos antes - eliminará seu desejo, e de novo você ficará sem vontade.
Hóspede: (Finalmente percebendo) Então essa é a razão pela qual você se oculta de mim, para me ajudar! E eu pensei que fosse porque você não queria que eu o conhecesse.
Anfitrião: Meu maior desejo é que você me veja e que esteja perto de mim. Mas, o que posso fazer, se nesse caso você não seria capaz de sentir prazer? Não seria isso o mesmo que morrer?
Hóspede: Mas, se não tenho consciência de você, como posso progredir? Tudo depende do quanto você se revelar a mim!
Anfitrião: De fato somente a sensação da minha presença cria em você a capacidade de crescer e receber. Sem esse sentido você simplesmente consome tudo e, imediatamente, deixa de sentir qualquer prazer. Por isso, quando apareço diante de você, você sente vergonha, a sensação de quem outorga e a sensação de receber os mesmos atributos do provedor.
Hóspede: Pois revele-se a mim o quanto antes!
Anfitrião: Fá-lo-ei, mas somente até o ponto que for para o seu benefício, apesar de querer aparecer diante de você. Afinal oculto-me de propósito, a fim de criar em você condições de livre escolha. Desse modo você pode ser livre para agir e escolher como pensar, independente de minha presença. Não haverá pressão por parte do anfitrião.
Hóspede: Então como você se revela a mim?
Anfitrião: Faço isso lenta e gradualmente, cada nível de revelação é considerado um mundo, desde o nível mais oculto até o mais exposto.